Essencial

"O homem apega-se ao transitório e negligencia o eterno."

Alcorão 75,30

As férias são um período muito bom para recuperar as energias, para organizar a vida, e principalmente, para refletir sobre o que tenho feito, e o que farei daqui para a frente em minha existência.

Uma das coisas que me deixa com uma sensação de culpa é a quantidade de livros na pilha de leitura esperando para ser lidos, e nisso as férias têm um papel de libertação.

Estou relendo agora um livro do Eckhart Tolle, que para mim é essencial e um leitura fundamental para quem quiser refletir sobre sua existência seriamente. Esse é o autor do "Poder do Agora", mas o livro em questão aqui é o "Um Novo Mundo", onde ele aprofunda muito alguns conceitos que foram "semeados" originalmente no "Poder do Agora".

Tem uma passagem neste livro que usa um exemplo de Psicanálise que me está fazendo refletir bastante. O autor usa um exemplo hipotético de um paciente que passa por 10 anos de terapia, e após esse período recebe alta de seu terapeuta, e junto com sua alta recebe também o dossiê de tudo o que foi conversado nesse período de terapia - 5000 páginas de história e conteúdos pessoais. Eckhart faz uma sutil diferenciação entre conteúdo e essência, que eu gostaria de capturar aqui transcrevendo uma parte do texto, que se encontra na página 169 da edição da Editora Sextante:

" Não há nada de errado com a psicanálise nem com o fato de alguém descobrir algo a respeito do seu passado, desde que não confunda conhecer sobre si mesmo com conhecer a si mesmo. O dossiê de 5 mil páginas é sobre a pessoa: o conteúdo da sua mente que é condicionado pelo passado. Seja o que for que ela venha a aprender pela psicanálise ou pela observação de si mesma será sobre ela. Não é ela. É conteúdo, e não essência. Ir além do ego é sair do conteúdo. Conhecer a nós mesmos é ser nós mesmos. E ser nós mesmos é pararmos de nos identificar com o conteúdo." 

Analisar o parágrafo acima dá uma Tese, e esse não é o meu objetivo aqui, mas sim refletir, e fazer refletir sobre o quanto de nós é construído sobre conteúdos (e formas), e o quanto é vivenciado dentro do essencial, dentro daquilo que somos, e não daquilo que estamos. Caso aqueles que lerem este post pararem para refletir seriamente nisso eu já cumpri meu papel e me dou por satisfeito.

Traumas e disfunções psicológicas maiores estão ligadas com viver "a partir de" certos conteúdos traumáticos que fazem as pessoas não funcionarem como poderiam ou gostariam. E acho que o que o Eckhart Tolle está dizendo é de certa forma libertador, e é de certa forma a base que ele explorou no "Poder do Agora" quando falou sobre a importância de estarmos "presentes" em nossas vidas, ou mais apropriadamente a importância da "presença" em nossas vidas.

Sempre existe a objeção (que também faço) que isso é muito filosófico mas pouco prático, porém me parece que esse autor desafia um paradigma importante que vale a pena ser questionado: conteúdo e essência - quem somos essencialmente? O que construímos ao redor dessa essência com o transcurso de nossas vidas?

E a partir daí o questionamento mais interessante: O que faremos a partir deste conhecimento? Como viver essencialmente e não nos deixar confundir por conteúdos (que são no fundo histórias que repetimos para nós mesmos)?

Não tenho as respostas, mas acho que estou descobrindo boas perguntas. Foi assim que morreu Sócrates :) Quem mandou ficar perguntando. Boas reflexões!